sábado, 21 de junho de 2008

"Problema de escrita"


Abrigada da dureza da chuva que cai lá fora

Mas sem refúgio da solidão que me vem bater à porta

Olho em redor e algo me parece escapar diante da vista.

Vejo uma sombra, num dia de nuvens

Que se esconde do meu olhar

Que se abriga do meu alcance

Parece-me reconhecer algo nesse vulto anónimo.

Talvez seja da chuva, que lhe disfarça as feições

Talvez seja da máscara que usa, no entanto,

Sinto que me observa, de longe

Timidamente

Digo-lhe que se aproxime, sem medo e escuto-lhe os passos,

Lascivos

A caminhar em direcção a mim.

Volto-me bruscamente para que não torne a fugir

E o rosto que me parecia apagado sorri-me, com ar cúmplice.

Atira-me um beijo, enquanto

Já a correr, o vejo desaparecer na multidão.

De repente, a chuva cai com mais força

Sinto as pernas ensopadas

E por entre uma tontura, apercebo-me

Que continuo no mesmo banco de café,

A dromitar

Sobre a mesma folha branca

Sobre a qual me apetecia escrever.



A.R., 1995


Resgatado do fundo do baú, e ainda tão actual...

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